Filipa Franquinho e Mónica Sousa são a primeira autora do trabalho e a líder da equipa, respetivamente. (Foto: i3S)

Um grupo de investigadores do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto descobriu que uma proteína associada à dislexia pode atuar no desenvolvimento dos neurónios e na regeneração do tecido nervoso.

Este trabalho, publicado na revista científica ‘Cerebral Cortex’, mostra que a proteína KIAA0319 “é muito importante na regulação do crescimento dos axónios (prolongamento que liga um neurónio a outro)” e que, conseguindo-se “diminuir os seus níveis”, é possível “aumentar a capacidade regenerativa do tecido nervoso”, explica a investigadora Mónica Sousa, que lidera o projeto.

Sabe-se que níveis baixos de KIAA0319 estão relacionados com o aparecimento da dislexia devido a um tipo de erro que ocorre durante o desenvolvimento embrionário, e que se manifesta quando as crianças começam a aprender a ler, por exemplo. Contudo a função desta proteína nas células nervosas não era, até agora, conhecida.

Neurito com expressão normal de KIAA0319. (Foto: DR)

Recorrendo a trabalhos in vitro, e depois in vivo (em ratinhos), a equipa liderada por Mónica Sousa provou que a KIAA0319, quando recebe um sinal, desencadeia uma cascata de acontecimentos que têm efeitos claros no desenvolvimento dos neurónios, incluindo o crescimento e a orientação. Ou seja, a presença da KIAA0319 e a quantidade em que está presente nos neurónios determina o efeito que um sinal pode ter quando chega à célula.

Segundo Filipa Franquinho Ferreira, primeira autora do trabalho, “a sobre-expressão do gene que codifica a proteína KIAA0319 reduz o crescimento dos axónios – o prolongamento dos neurónios que estabelece conexão com outros neurónios para estabelecer as redes neuronais –; e a sub-expressão estimula o crescimento e desenvolvimento de neuritos (nome dado às células nervosas crescidas in vitro)”.

A equipa coordenada por Mónica Sousa procura “perceber o papel que desempenham determinadas proteínas no desenvolvimento dos neurónios, jovens ou adultos, com o objetivo de abrir novos caminhos para a regeneração do tecido nervoso”. Uma vez identificados os genes que regulam o crescimento axonal, inicia-se o árduo trabalho de perceber como é que esses genes e as proteínas que eles codificam agem. O objetivo é completar o intricado puzzle de acontecimentos bioquímicos que são afetados por cada um desses genes.

Dislexia, e genes candidatos para explicar o fenómeno

O gene KIAA0319 (que codifica a proteína com o mesmo nome) é um dos genes associados à dislexia, mas há outros potenciais candidatos, como o ROBO1 e o DCDC2. No caso do ROBO1 já se demonstrou que tem uma forma de ação muito similar à descrita agora para o KIAA0319. Ambos, o KIAA0319 e ROBO1, estão sub-expressos nos casos de dislexia e quando sobre-expressos reduzem o crescimento dos axónios.

Mónica Sousa explica que «múltiplas regiões cromossómicas têm sido associadas à dislexia, mas a mais consistentemente replicada inclui os genes KIAA0319 e DCDC2». Não especulando sobre o impacto que o trabalho agora publicado poderá ter no estudo da dislexia, a investigadora afirma que «os resultados permitem descrever o conjunto de acontecimentos dentro dos neurónios, que são dependentes da proteína expressa pelo gene KIAA0319 e dos sinais que ela recebe do meio circundante, permitindo desenhar um mapa de moléculas que interagem entre si para que os neurónios se desenvolvam ou não». Para a investigadora «compreender estas redes bioquímicas abre imensas perspetivas de investigação com impacto em inúmeras condições clínicas. No caso da minha equipa o objetivo é encontrar ferramentas para reativar e controlar o crescimento de neurónios em casos de lesão severa».