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No caso dos cursos de Medicina, o impacto de se ter mais um valor na nota de candidatura pode significar uma subida de 80% a 90% na lista de acesso.

Ao longo de um ano, Tiago Neves e Gil Nata, investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, compararam as notas atribuídas pelas escolas portuguesas e as notas que os respetivos alunos tiveram nos exames nacionais do ensino secundário, entre 2001 e 2014. Os resultados são conclusivos: alunos com a mesma nota nos exames nacionais podem ter discrepâncias significativas (que podem nos casos extremos chegar aos 4 ou 5 valores) nas notas internas em função da escola que frequentam, cabendo às privadas a liderança destacada no “ranking de inflação”.

O caso já tinha sido levantado por estes investigadores em artigos publicados em revistas internacionais, mas agora é sustentado por um estudo pioneiro, resultado da análise dos dados de acesso ao ensino superior dos últimos 13 anos. Dela extraíram o ranking dos estabelecimentos que têm, em cada ano, maiores desvios de classificações internas (notas dadas pelos professores) face ao “desvio médio nacional”, concluindo que, das cerca de 600 escolas secundárias do país, há uma maior presença de escolas privadas nos primeiros lugares.

Para chegarem a este “ranking de inflação”, Gil Nata (docente na Universidade Portucalense) e Tiago Neves (docente na FPCEUP) analisaram, para cada ano, a média interna dos alunos que prestaram provas, em todas as classes de notas possíveis no exame (entre 0 a 20 valores). Posteriormente, fizeram uma análise, escola a escola, entre as notas internas atribuídas pelos professores para alunos com resultados semelhantes nos exames. A partir do cruzamento desses dados identificaram então várias disparidades, com a amplitude (diferença entre a nota mínima – a escola que mais deflacionou – e a nota máxima – a escola que mais inflacionou) a estar sistematicamente acima de 4 valores, ultrapassando mesmo os 5 valores em vários anos.

Os resultados deste estudo assumem especial relevância quando se sabe que as classificações do secundário têm um peso de 50% a 65% para o cálculo da nota de candidatura ao ensino superior. No caso dos cursos que exigem médias mais altas (como Medicina ou Arquitetura), o impacto de se ter mais um valor na nota de candidatura significa subir 80% a 90% na lista de acesso desses cursos.

“A leitura destes dados é extremamente preocupante, já que se verifica que, ano após ano, há escolas que inflacionam 1 ou 2 valores acima do desvio médio nacional. E, só por isso, um aluno pode entrar num curso e outro ficar à porta.”, alertam os investigadores, em entrevista ao Expresso.

Recentemente, o Ministério da Educação também divulgou dados semelhantes no portal InfoEscolas. No entanto, os resultados lançados por esta equipa apresentam os valores dos desvios escola a escola, enquanto que os resultados do Governo apenas identificam em que escolas existem os desvios. Para além disso, Gil Nata e Tiago Neves quantificam, para os anos 2012, 2013 e 2014, os impactos que tais desvios têm nas listas ordenadas dos candidatos ao ensino superior.