Distúrbios cognitivos associados à dor persistente incluem alterações na memória, deficit de atenção e problemas na tomada de decisões. (Foto: DR)

Uma equipa de investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) acaba de divulgar uma explicação fisiológica para a redução de memória de curto prazo que afeta os doentes com dor crónica. Segundo o trabalho, publicado na última edição do prestigiado Journal of Neuroscience, a dor persistente altera o fluxo de informação entre duas regiões do cérebro que são fundamentais para a retenção de memórias temporárias.

Apesar de as pessoas que sofrem de dores crónicas se queixarem frequentemente de situações de deficit em memória de curto prazo, não são ainda conhecidos os mecanismos nervosos que justificam estas ocorrências. É esse vazio que a equipa de investigadores, liderada por Vasco Galhardo, procura ajudar a colmatar num trabalho que dá a conhecer a forma como um circuito neuronal – estabelecido entre duas partes do encéfalo, o córtex pré-frontal e o hipocampo e crucial para o processamento de memória de curto prazo – é afetado quando exposto à dor crónica.

Durante o estudo, os cientistas recorreram a multielétrodos implantados permanentemente no encéfalo de modelos animais, e registaram a atividade neuronal durante a execução de uma tarefa comportamental dependente de memória espacial. Na prática, os animais foram treinados num labirinto em que tinham de escolher entre dois caminhos alternativos, e necessitavam depois de relembrar o caminho escolhido.

Estudo utilizou modelos animais para perceber como a dor afeta a de memória de curto prazo.

Os resultados mostram que após o início da lesão dolorosa ocorre uma redução significativa da quantidade de informação que é partilhada pelo circuito. Isto pode significar uma perda na capacidade de processar informação de memória sobre localização espacial, mas também que essas regiões fundamentais para a memória são “invadidas” por estímulos dolorosos que perturbam o fluxo de informação neuronal de memória.

Segundo Vasco Galhardo, a equipa – que inclui ainda Deolinda Lima (diretora do Departamento de Biologia Experimental da FMUP) e  Hélder Cruz (estudante de pós-doutoramento da FMUP) – já havia “demonstrado que a lesão periférica do nervo induz uma instabilidade nas propriedades de codificação espacial dos neurónios do hipocampo”, tendo então detetado “uma redução clara da capacidade dos neurónios codificarem informação acerca da localização do animal”. Com este trabalho, demonstra-se que “a dor crónica induz alterações no funcionamento cerebral em circuitos que não estão diretamente ligados ao processamento táctil ou doloroso”.

O estudo agora publicado mostra igualmente que, em resultado da dor crónica, “são afetados circuitos neuronais relacionados com processamento de memórias e emoções”, o que “pode levar a um repensar de estratégias mais abrangentes para o tratamento de patologias dolorosas”, adianta o investigador.