Mais proteção dos dados. Menos fraude científica. Um investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde criou um sistema que garante a proteção dos dados e reduz o risco da informação de saúde – os registos clínicos que resultam da prestação de cuidados –  poder ser usada de forma fraudulenta, quando reutilizada no âmbito da investigação científica.

O novo sistema chama-se DARE – Data Reuse Certificate for Research e já se encontra implementado no Centro Hospitalar de São João, embora ainda em fase piloto. A Acta Médica Portuguesa, revista científica oficial da Ordem dos Médicos dá-lhe destaque na edição deste mês.

A DARE atribui um selo de qualidade que “certifica, de forma expressa e inequívoca, o enquadramento jurídico que consente o acesso do investigador aos registos clínicos, tornando a investigação transparente, reprodutível e auditável”, explica Rui Guimarães, autor desta ideia, investigador do CINTESIS e responsável pelo acesso à informação do Centro Hospitalar de São João (CHSJ).

Trata-se de um certificado que é conferido aos investigadores que solicitam a reutilização de registos clínicos para fins de investigação científica e que atesta o enquadramento jurídico que consente a reutilização, para além de garantir a idoneidade das fontes, a sua identificação exaustiva e a indicação da entidade com a responsabilidade legal pela guarda das mesmas.

Ou seja, o investigador terá de “identificar todos os processos que consultou no âmbito da autorização que lhe foi concedida”, explica o especialista em Informática Médica. “É este rasto que garante que a investigação científica realizada com base nos registos de saúde é reprodutível e transparente”, explica, recordando que esta garantia é do interesse dos titulares dos registos clínicos (ou seja, dos doentes), dos investigadores, das universidades, dos centros de investigação e das revistas científicas que publicam os estudos.

A investigação clínica depende, cada vez mais, da reutilização dos dados clínicos que diariamente as entidades prestadoras de serviços de saúde recolhem. A utilização de grandes conjuntos de dados da saúde possibilita, por exemplo, uma melhor prevenção das epidemias, permitindo que as autoridades públicas utilizem melhor os dados de saúde para efeitos de investigação e de reforma dos sistemas de saúde.

“Há um enorme potencial de investigação nestes dados e é natural que a sua reutilização cresça nos próximos anos”, defende o investigador, salientando a necessidade de se acautelarem eventuais más práticas. Note-se que a fraude na investigação científica decorre da omissão das fontes, da manipulação da informação e da difícil reprodutibilidade dos estudos.

Por outro lado, o novo sistema corresponsabiliza o investigador e a entidade pela guarda legal da informação clínica. Apesar da existência, em todo o espaço europeu, de um quadro legal, transposto pelos Estados Membros para os seus ordenamentos jurídicos, onde se consagra o direito que os investigadores têm de reutilizar registos clínicos para fins de I&D, “a verdade é não se conhece qualquer menção expressa e inequívoca aos termos e enquadramento jurídico que consentiu o acesso aos registos clínicos reutilizados nas investigações. “Nem por parte dos investigadores, para quem são uma fonte de informação incontornável, nem por parte das instituições, que têm a responsabilidade da guarda de tão sensível património”, esclarece o investigador do CINTESIS.

Assim, o especialista denuncia: “esta completa e total omissão do enquadramento jurídico que tem vindo a sustentar a reutilização de registos clínicos para fins de investigação não garante a proteção dos direitos, privacidade, sigilo e confidencialidade das pessoas a quem os registos clínicos dizem respeito”.

Rui Guimarães tem vindo a apresentar a DARE nas faculdades de medicina e nos hospitais, com o objetivo de alargar a sua utilização. “O acolhimento desta ideia tem sido muito interessante”, comenta, adiantando que acredita que a médio prazo este instrumento “venha a ser um pré-requisito imperativo das editoras das revistas cientificas, como condição prévia para a garantia de uma maior qualidade e idoneidade da informação que suporta a investigação científica de natureza clínica”.

Próximo passo? “Alargar o âmbito da DARE, ao domínio da Ética, com as comissões de ética institucionais a certificarem, ao lado do Direito, que aquela investigação em concreto tem um parecer deontológico”, remata Rui Guimarães.