Uma equipa de investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) publicou recentemente um estudo onde realça o impacto dos “genes perdidos” ao longo da evolução dos cetáceos – que incluem as baleias ou os golfinhos – e demostra ao mesmo tempo como a perda de genes também é uma forma de evolução.

Estamos habituados a pensar que a evolução se dá apenas no sentido de uma maior complexidade genética e que se deu somente da água para o meio terrestre. No entanto os cetáceos são uma prova viva de que a evolução se dá continuamente, e em todos os sentidos, e que a perda de genes não é necessariamente negativa e faz parte do processo adaptativo.

Isso mesmo fica demonstrado no estudo agora publicado – com o título “Losing Genes: The Evolutionary Remodeling of Cetacea Skin” – na revista internacional Frontiers in Marine Science, e qual se demonstra que a estratégia de adaptação destes mamíferos ao meio aquático baseia-se, em grande parte, à perda de genes.

A comparação de genomas

Quando o genoma da orca foi publicado em 2015, a disponibilização de vários genomas de cetáceos permitiu fazer comparações entre estes e outras espécies de mamíferos, incluindo os seus familiares terrestres mais próximos. Este trabalho permitiu, por exemplo, a compreensão da evolução de características complexas, como a estrutura da pele.

Desde então, foram vários os estudos que detetaram “genes perdidos”. É o caso alguns assinados pela equipa do CIIMAR liderada pelo investigador Filipe Castro, que demonstraram que genes característicos de muitos mamíferos não se encontram presentes nestes mamíferos marinhos. No entanto, a presença de “ruínas” e outros “vestígios” não funcionais destes genes mostram que estariam presentes em formas ancestrais e que, ao logo da evolução dos cetáceos, se foram perdendo.

“A imagem intuitiva que temos do processo evolutivo é muitas vezes a de criação de novas estruturas, novas funções associadas a novos genes ou genes modificados. O que esta publicação vem demonstrar, mais uma vez, é que esta se pode dar por simplificação, por retirar algo que, naquelas condições do meio aquático em que os mamíferos marinhos vivem, já não era necessário, ou até mesmo um “empecilho” que tem um impacto negativo na adaptação do organismo”, explica Filipe Castro, que é também docente na Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP).

A sistematização dos estudos

Apesar dos muitos estudos que a comparação de genomas permitiu gerar até agora, “não havia ainda uma sistematização de todos os resultados onde fosse possível comparar os padrões entre genes, contabilizar genes perdidos nem as consequências dessa perda”, como refere Gonçalo Themudo, investigador do CIIMAR e primeiro autor do estudo agora publicado.

“Consultando a bibliografia sobre genes responsáveis pela estrutura da pele, começámos a notar que muitos genes presentes em outros mamíferos estavam degradados ou completamente ausentes. Surgiu assim a ideia de sistematizar estes estudos e tentar arranjar explicações para este fenómeno”, acrescenta Filipe Castro.

O grande objetivo do estudo “Losing Genes: The Evolutionary Remodeling of Cetacea Skin” foi precisamente de organizar os resultados de trabalhos anteriores e demonstrar que as modificações da pele durante a evolução dos cetáceos, devem-se em larga medida à perda de genes responsáveis pela deposição de queratina, produção de sebo e pelos, do processo imunológico, entre outras funções mais subtis, resultando numa estrutura da pele característica dos cetáceos: uma pele completamente lisa.

A perda de genes como mecanismo evolutivo

A perda de genes pode assim ser vista como uma fonte de inovação evolutiva: uma forma de otimizar os recursos disponíveis ao organismo, retirando funções que já não são necessárias após uma mudança de habitat, por exemplo, a passagem do ambiente terrestre para o marinho. Neste caso, “a reorganização funcional da pele em golfinhos e baleias resultou de um processo evolutivo que podemos definir como “menos (genes) é mais (função)” explica Filipe Castro.

De facto, as características mais representativas da pele das baleias e golfinhos, como a sua grande espessura, ausência de pêlos, pele extremamente macia e capacidades regenerativas extraordinárias estão muito mais adaptadas ao ambiente aquático. Hoje, sabe-se que estas características resultaram de inovações genéticas pela perda sucessiva de vários genes presentes nos seus antepassados terrestres.

O futuro da comparação dos genomas

“Uma questão levantada pela elevada perda de genes é se estes genes perdidos são recentes ou não, na escala evolutiva”, instiga Gonçalo Themudo. Será que alguns genes são mais facilmente perdidos? Será que estas ruínas genéticas têm ainda relações, embora limitadas, com outros genes? Será que a sua função é parcialmente realizada por outros genes semelhantes, ou mais essenciais? Serão estes genes recuperáveis?

Num futuro próximo, será possível verificar que genes estão ativos em tecidos específicos dos mamíferos marinhos, perceber se as ruínas dos genes perdidos têm ainda alguma importância ou relação com outros genes, e comparar esses resultados com diversas outras espécies de mamíferos.

Assim, comparando o reportório de genes ativos em determinado tecido entre mamíferos marinhos e terrestres, será possível, em maior detalhe, verificar também que genes estão em falta nas diferentes espécies.