Raquel Seruca e João Sanches, coordenadores das equipas de investigação

Raquel Seruca e João Sanches, coordenadores das equipas de investigação

Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde / Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (i3S/Ipatimup) e do ISR-Lisboa acaba de publicar na revista Scientific Reports um método simples e acessível para identificar padrões celulares de risco para cancro e os distinguir de outros que não apresentam risco acrescido. O método baseia-se na análise automática de imagens microscópicas de células que expressam proteínas humanas e recorre à diferenciação dos padrões geométricos. A abordagem proposta permitirá análises sem necessidade de equipamento sofisticado e abreviará muito os resultados de análise da função dessas proteínas.

Uma das razões para que determinados cancros sejam extremamente invasivos resulta de alterações numa proteína que garante a coesão entre as células dos tecidos, a Caderina-E. Estas proteínas estão na superfície das células e funcionam como ganchos que garantem a adesão de uma célula às sua vizinhas mantendo o tecido estável e organizado.

Algumas mutações da proteína Caderina-E levam ao afrouxamento dessas ligações, à desorganização dos tecidos e, mais grave, à migração de células soltas para outras partes do organismo, onde se estabelecem e formam as chamadas metástases. “Quando olhamos para um conjunto de células com organização suspeita é essencial saber, o mais rapidamente possível, se estamos a olhar para algo com potencial de risco aumentado para cancro, ou não”, explica Raquel Seruca, uma das coordenadoras do estudo e investigadora no I3S/Ipatimup da Universidade do Porto.

A investigadora adianta que, “é essencial haver formas acessíveis, passíveis de serem realizadas em qualquer centro, mas que sejam eficazes na identificação de situações de risco”. Isto porque, há outras mutações na Caderina-E que não alteraram a organização do tecido e que não apresentam risco acrescido. Por outras palavras, “separar o trigo do joio” rapidamente.

A solução passou por combinar esforços com a equipa do ISR-Lisboa, do Instituto Superior Técnico, liderada por João Sanches, e desenvolver metodologias de processamento de imagem capazes de fazer essa análise com imagens de microscopia simples, ou seja, sem necessidade de recorrer a microscópios de alta resolução, como os de força atómica.

No topo, imagens de microscopia de florescência de células (a verde) com os núcleos destacados a azul. À esquerda vêm-se células normais, à direita células que apresentam risco acrescido de cancro, por mutação na Caderina-E. Em baixo, as respectivas malhas determinadas a partir da localização do núcleo de cada célula, nas quais se percebe a diferença que existe na organização espacial da células. A técnica desenvolvida permite efetuar os cálculos a partir de imagens mais simples do que as apresentadas, ou seja, em microscópio ópticos, sem recurso à microscopia de fluorescência.

No topo, imagens de microscopia de florescência de células (a verde) com os núcleos destacados a azul. À esquerda vêm-se células normais, à direita células que apresentam risco acrescido de cancro, por mutação na Caderina-E. Em baixo, as respectivas malhas determinadas a partir da localização do núcleo de cada célula, nas quais se percebe a diferença que existe na organização espacial da células. A técnica desenvolvida permite efetuar os cálculos a partir de imagens mais simples do que as apresentadas, ou seja, em microscópio ópticos, sem recurso à microscopia de fluorescência.

João Sanches explica que “a análise de padrões em imagens é já muito utilizada no nosso dia a dia, mas precisávamos de perceber as subtilezas na arquitetura, como estas células estavam organizadas, e desenvolver um algoritmo que conseguissem percepcionar diferenças” e, segundo os testes que foram efetuados, “o resultado é de grande precisão”. O processo utiliza imagens de microscopia e os núcleos das células são utilizados como pontos de referência para desenhar uma malha que representa a geometria do sistema. A métrica obtida, a partir da triangulação entre núcleos de células adjacentes permite calcular a deformações nessa malha.

Os autores afirmam que este método, “elegante e fácil de utilizar”, permite distinguir com muita fiabilidade células com mutações graves na Caderina-E doutras sem significado patológico e defendem que poderá ser facilmente extrapolado para outro tipo de análises e para outras patologias.

A investigação levada a cabo reveste-se, ainda, de particular interesse por ser financiada por uma associação de doentes norte americana com cancro gástrico hereditário, No Stomach for Cancer, através do prémio internacional atribuído à equipa portuguesa.

Para além de Raquel Seruca e de João Sanches, o estudo envolveu ainda as investigadoras Joana Figueiredo, Joana Paredes e Ana Sofia Ribeiro (i3S-Ipatimup) e Tânia Mestre (ISR-IST).