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Através da combinação de fragmentos da informação genética do coelho e da lebre , os investigadores conseguiram recriar a sequência genética do vírus da Hepatite C que infeta o ser humano. (Foto: DR)

Uma equipa de investigação da Universidade do Porto descobriu que entre a informação genética de coelhos e lebres existem pedaços de ADN que se assemelham aos do vírus que causa Hepatite C em humanos.

A equipa, que integra especialistas do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s) e da Faculdade de Medicina (FMUP), chegou a este resultado juntando as “peças” de um complexo puzzle, cada umas das quais correspondendo a um fragmento genético disperso no conjunto de informação genética do coelho e da lebre. Ao transferirem estas “peças” genéticas para células de rim de bovino, que são normalmente utilizadas neste tipo de investigação, os cientistas conseguiram fazer com que elas se multiplicassem e se combinassem entre si, dando origem à sequência genética do vírus da Hepatite C que infeta o ser humano.

A experiência foi realizada no âmbito do Doutoramento em Ciências Veterinárias de Eliane Silva no ICBAS, mais concretamente no Laboratório de Microbiologia e Doenças Infecciosas, liderado por Gertrude Thompson, Investigadora Principal do ICBAS). A investigação é descrita num artigo da “Revista Scientific Reports” e ajuda a saber mais sobre a origem desta doença, que afeta cerca de 150 mil pessoas em Portugal e cerca de 200 milhões em todo o mundo.

Numa primeira etapa, os investigadores procuraram perceber porque haveria semelhanças genéticas entre o genoma do coelho e da lebre e o vírus da Hepatite C. O que se verificou foi que que no ADN daquelas duas espécies “existiam fragmentos idênticos e complementares ao vírus da Hepatite C”, explica Gertrude Thompson, coordenadora do estudo e também investigadora no CIBIO-InBIO. No entanto, refere que pelo facto de estarem no fígado do coelho e da lebre, “estas células não são prejudiciais a outros animais”.

Numa segunda etapa, os investigadores constataram que os fragmentos se multiplicavam em linhas celulares de rim de bovino (células usadas em investigação veterinária e com importantes recetores para este tipo de vírus). Seguidamente, tentaram perceber se a multiplicação dos pedaços de ADN  poderia resultar na produção de partículas víricas com capacidade de infetar novas células. A resposta que obtiveram confirmou a sua hipótese,  pois o processo de multiplicação das células culmina na formação de partículas víricas geneticamente semelhantes às do vírus que afeta os humanos.

Em entrevista ao jornal Público, Eliane Silva (ICBAS e CIBIO-InBIO) refere que “é a primeira vez que alguém descreve a capacidade de produção de partículas víricas do tipo de vírus da hepatite C num sistema de cultura celular”, uma descoberta que “pode contribuir para o esclarecimento das teorias acerca da origem do vírus e da sua evolução”. A compreensão do ciclo de vida e o mecanismo de patogenicidade deste vírus abrirá novas perspetivas à capacidade de prever e avaliar novas abordagens terapêuticas, nomeadamente no que se refere à possibilidade de produção de uma vacina contra este perigoso agente infecioso”.

Gertrude Thompson acrescenta que a descoberta veio “ajudar a perceber que podemos usar este sistema, sem modificar as células, permitindo que o vírus se multiplique na mesma”, mas salienta que muitos mais estudos ainda terão de ser feitos a partir de agora com vista a melhorar a nossa compreensão do mesmo.

Esta descoberta sequencial do material genético produzido em cultura de células poderá ser o ponto de partida para o estudo do vírus que infeta os humanos. E este passo reveste-se de grande importância para a possível cura da doença.