Joel Alves (investigador do CIBIO-inBIO e primeiro autor do artigo) e Francis Jiggins (Universidade de Cambridge) com um exemplar de coelho europeu. (Foto: DR)

Num artigo publicado esta quinta-feira pela prestigiada revista Science, uma equipa internacional, da qual fazem parte os investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (CIBIO-InBIO), Joel Alves, Miguel Carneiro, Sandra Afonso, Pedro Esteves e Nuno Ferrand, demonstra que os coelhos da Austrália, França e Reino Unido adquiriram resistência ao vírus da mixomatose através da seleção natural sobre as mesmas variantes genéticas. O estudo revela ainda que o combate ao vírus deve-se ao efeito acumulativo de múltiplas mutações em diferentes genes.

Há quase 70 anos, o vírus causador da mixomatos – doença mortal encontrada numa espécie de coelho americana – foi utilizado para controlar a população de coelhos europeus introduzidos na Austrália. Na altura, os coelhos já constituíam uma população de centenas de milhares e causavam impactos devastadores na agricultura e biodiversidade local. A doença dizimou grande parte dos coelhos na Austrália e após ter sido introduzida ilegalmente em França, espalhou-se rapidamente pela Europa, causando a morte de milhares de coelhos.

Pouco tempo após a introdução do vírus, os índices de mortalidade decresceram, os genomas do vírus e do coelho alteraram-se. Através da seleção natural os animais tornaram-se mais resistentes ao vírus, o qual também se tornou menos agressivo para os coelhos.

No artigo agora publicado, fruto de um projeto co-liderado pelo CIBIO-InBIO e pela University of Cambridge (Reino Unido), a equipa de investigadores – que inclui mais 20 instituições, entre elas a Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (Austrália) – identificou as bases genéticas da resistência dos coelhos à mixomatose. O estudo demonstra, pela primeira vez, que
tanto na Austrália, como em França e no Reino Unido, as mudanças genéticas observadas nos coelhos resistentes ao vírus são as mesmas e que estas ocorrem em diferentes regiões do genoma.

150 anos de história contada através do genoma do coelho

Conforme explica Joel Alves, primeiro autor do artigo e também investigador na University of Oxford, “muitas vezes, a evolução funciona através de grandes mudanças em genes individuais, mas os nossos resultados mostram que a resistência à mixomatose provavelmente evoluiu através do efeito combinado de múltiplas alterações de pequeno efeito espalhadas pelo genoma”.

Para chegar a esta conclusão, Joel e seus colegas recorreram à análise do genoma de mais de 150 coelhos, provenientes dos três países onde a mixomatose foi registada em detalhes, Austrália, França e Reino Unido. Para que pudessem identificar as mutações que se tornaram mais frequentes desde as pandemias dos anos 50, quase 20 mil genes foram analisados através das mais modernas técnicas de sequenciação de ADN. Os investigadores compararam então o ADN de coelhos recolhidos antes do surto do vírus na década de 1950, com o de populações modernas que desenvolveram resistência ao fim de 70 anos de coevolução com o virus. As amostras de coelhos recolhidos antes de 1950 foram obtidas em museus e contam com espécimes do século XIX, inclusive um que pertenceu a Charles Darwin.

“Descobrimos que os mesmos genes mudaram nos três países. Também observamos três mutações particularmente significativas num gene com função imunitária, conhecido por IFNalfa 21A. No laboratório, testamos as diferentes formas da proteína produzida a partir deste gene, e descobrimos que as formas encontradas nos coelhos resistentes à mixomatose conseguem inibir de forma mais eficaz a replicação do vírus”.

A corrida às armas

Os autores descobriram ainda que a mesma proteína que atua na resistência dos coelhos à mixomatose também pode combater a infecção por outro vírus, conhecido por causar a estomatite vesicular em coelhos. Miguel Carneiro, investigador do CIBIO-InBIO e co-autor do artigo, afirma que “ao combater o vírus da mixomatose os coelhos poderão ter também aumentado a sua resistência a outros vírus, entre eles possivelmente o vírus causador da doença da febre hemorrágica, actualmente responsável pela morte de muitos coelhos”.

Se, por um lado, as alterações no genoma do coelho se perpetuam ao longo das gerações em resposta ao vírus, este também sofre mudanças e evolui. Nos anos seguintes aos primeiros surtos
da doença observou-se uma redução no grau de infecção do vírus. Contudo, o vírus da mixomatose continua a coexistir com os coelhos e, nos últimos anos, novas estirpes com maior
potencial de infecção têm sido identificadas. Esta “corrida às armas” entre o vírus da mixomatose e o coelho é um exemplo clássico do processo conhecido por Coevolução.

O artigo, que é publicado na mesma semana em que se comemora o nascimento de Charles Darwin e tem merecido grande expressão na imprensa internacional, revela assim as bases genéticas de um dos casos icónicos no estudo recente da Evolução por Seleção Natural. O estudo não só identifica diferentes genes, como reitera o papel da diversidade genética no processo evolutivo ao demonstrar que o rápido desenvolvimento da resistência à mixomatose pelos coelhos foi possível pela ação da seleção sobre um conjunto de genes do sistema imunitário.

Apesar da drástica redução nas populações de coelhos causada pelos surtos de mixomatose, os níveis de diversidade genética não sofreram alteração significativa. Em outras palavras, as mutações associadas à resistência dos coelhos à doença permaneceram nas populações remanescentes resultando numa maior capacidade de resistência à infecção.