O addax (Addax nasomaculatus)é uma das pesécies que se encontram em perigo crítico de extinção. (Foto: DR)

Os conflitos armados estão a provocar a extinção de animais selvagens ameaçados na região do Saara-Sahel. Esta é a conclusão a que chegou uma equipa internacional, liderada por José Carlos Brito, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto, num estudo publicado na última edição da prestigiada revista Conservation Letters.

No trabalho agora publicado, a equipa de investigação, da qual também fazem parte os investigadores do CIBIO-InBIO Duarte Gonçalves, Maria Joana Silva, Fernando Martínez-Freiría, João Campos, Teresa Silva, Cândida Vale, Zbyszek Boratyński, Hugo Rebelo e Sílvia Carvalho, comparou dados de ocorrência dos conflitos e outros fatores de ameaça, como a exploração de recursos naturais, com a distribuição de animas de grande porte (megafauna) que ocorrem no deserto do Saara-Sahel: a gazela-dorcas (Gazella dorcas), o addax (Addax nasomaculatus) – uma espécie de antílope em perigo crítico de extinção – e o elefante africano (Loxodonta africana).

“O recente aumento dos conflitos armados enfatiza a necessidade de identificar áreas em que a vida selvagem está em declínio, e de desenvolver políticas efetivas para reduzir os impactos destes conflitos na biodiversidade”, realça José Carlos Brito, investigador do CIBIO-InBIO e primeiro autor do artigo.

O Saara-Sahel compreende partes da Argélia, Burkina-Faso, Chade, Egipto, Eritreia, Líbia, Mali, Marrocos, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Sudão e Tunísia. Dos 14 vertebrados de grande porte que ocorrem na região, 12 estão atualmente classificados como “extintos na natureza” ou “ameaçados de extinção”.

Potenciado pelo impacto das atividades de caça, este cenário tem vindo a agravar-se devido ao aumento da instabilidade na região, com ataques de grupos extremistas, sequestros, escravidão e contrabando de armas e drogas. Desde 2011 que o número absoluto de conflitos cresceu exponencialmente nestes países (565% de aumento), representando hoje cerca de 5% dos conflitos mundiais.

A investigação levada a cabo pelos investigadores portuenses indica uma associação clara entre a redução das populações de animais selvagens e o aumento dos conflitos, nos casos da gazela-dorcas e do elefante africano, e também com a exploração petrolífera, no caso do addax. José Carlos Brito explica que “estes padrões são representativos do declínio catastrófico da vida selvagem em geral na região”.

Os dados recolhidos mostram ainda que os abates ilegais aumentaram dois a três anos após terem eclodido os conflitos armados na Líbia e no Mali. A megafauna foi quase exterminada das regiões do sul do Saara-Sahel, onde os conflitos armados duram há mais tempo, e onde a população humana e a rede viária são mais densas.

Como travar o massacre?

O estudo, que envolveu para além do CIBIO-InBIO, investigadores de mais 21 instituições, entre as quais a University of Oxford (Inglaterra), a Zoological Society of London (Reino Unido), a Estacion Experimental de Zonas Aridas, CSIC (Espanha), a Universidad de Granada (Espanha) e a Sahara Conservation Fund, aponta dois caminhos para a conservação da biodiversidade no Saara-Sahel. O primeiro envolve o incentivo à valorização da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais, e o segundo a criação de sanções para quem não respeitar as diretrizes de conservação. “Tais passos devem ser tomados agora, para impedir que a biodiversidade única e emblemática do maior deserto do mundo se perca”, adverte José Carlos Brito.

Para além da consciencialização das comunidades locais para a importância da biodiversidade é crucial, o investigador do CIBIO-InBIO realça a necessidade de uma mudança de atitude por parte dos países que produzem e comercializam armas e munições: “É importante compreender o ciclo vicioso estabelecido entre comércio de armas, conflitos, migração e risco de extinção das espécies selvagens. As interferências de países terceiros nas zonas de conflito, como foi o caso das ações militares da União Europeia e Estados Unidos da América no conflito da Líbia, não consideram os riscos e consequências a longo prazo para as populações humanas e biodiversidade”, explioca.

A curto prazo, o artigo defende a integração da proteção ambiental em larga escala nas estratégias de paz; o desarmamento de civis, milícias e grupos extremistas, assim como a restrição à aquisição de novas armas de fogo e munições; e o envolvimento das empresas que exploram recursos naturais na gestão de áreas protegidas e no combate à caça ilegal.

Já numa perspetiva de longo prazo, José Carlos Brito. destaca a importância de se alcançar um “equilíbrio” entre a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconómico. Equilíbrio para o qual é fundamental que “cientistas emprenhados na conservação colaborem com agentes políticos e investigadores focados na vertente militar, em busca de soluções inovadoras para os desafios que se colocam às regiões em conflito”, remata o investigador.