Nova estirpe detetada pelos investigadores constitui uma ameaça para os animais mais jovens. (Foto: DR)

Uma equipa de investigação do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/InBIO Laboratório Associado, e composta por vários investigadores da Universidade do Porto, identificou uma nova variante do vírus responsável pela Doença Hemorrágica Viral (DHV), que afeta mortalmente o coelho-bravo e os coelhos domésticos

No artigo publicado recentemente  pela  Emerging Infectious Diseases, revista internacional de referência na área das doenças infecciosas, a equipa coordenada por Pedro Esteves descreve a presença e caraterísticas desta nova variante, isolada pela primeira vez em 2010, em França, e que pode estar associada a taxas de mortalidade na ordem dos 50%, em animais provenientes de três localidades do norte e sul do país. Esta informação tem implicações cruciais para a gestão das populações selvagens de coelho-bravo, assim como para a conservação de animais que dele dependem, como é o caso do lince-ibérico.

Detetada em Portugal em 1989 e particularmente prevalente na Península Ibérica, a DHV é uma doença vírica altamente contagiosa.  Os casos registados até 2011 foram todos provocados por uma única variante do vírus  (do género Calicivirus), que afeta sobretudo animais adultos e jovens com mais de dois meses de idade. Contudo, a equipa do CIBIO/InBIO identificou em Portugal uma outra estirpe – descrita pela primeira vez em França em 2010 – capaz de dizimar também os animais mais jovens.

Joana Abrantes é a primeira autora do artigo publicado na "Emerging Infectious Diseases".

Atualmente, a DHV é uma das principais causas de morte de coelho-bravo na Península Ibérica e a presença desta nova variante vem certamente agravar este problema. Segundo Joana Abrantes, investigadora do CIBIO/InBIO e primeira autora do artigo, “o facto de esta nova variante atingir animais logo a partir do primeiro mês de vida dificulta a capacidade de recuperação das populações”. A cientista salienta ainda a rapidez da dispersão desta variante: “a recolha e análise de amostras começaram em novembro de 2012 no norte de Portugal e em fevereiro de 2013 a variante foi isolada já no Algarve”.

Mas as implicações desta situação podem ser ainda mais devastadoras. Para além de representar uma ameaça à preservação do coelho-bravo em ambiente natural, a DHV compromete a sobrevivência das espécies que se alimentam deste animal, como é o caso das populações de lince-ibérico, o felino mais ameaçado do mundo. “Para além do risco de se perder uma espécie emblemática no nosso país e em Espanha, o desaparecimento do coelho-bravo põe em causa as medidas de conservação aplicadas a outras espécies, como o lince ibérico, predador especializado, cuja dieta se baseia quase exclusivamente em coelho”, destaca Pedro Esteves.

Pedro Esteves lidera a equipa de investigação do CIBIO/InBIO.

Ainda segundo os investigadores, o caminho a percorrer no sentido de controlar a doença passa, entre outros aspetos, por reforçar a monitorização do vírus e apostar na investigação da sua evolução e relação com o hospedeiros. O estudo agora publicado apresenta já uma contribuição relevante nesse sentido, uma vez que para além de constituir a primeira descrição da presença desta variante do vírus em Portugal, é também um dos primeiros a caracterizá-la. “Atendendo à importância desta informação, o genoma da nova variante isolada em Portugal foi totalmente sequenciado e será brevemente publicado numa base de dados de domínio publico. Isto é fundamental a fim de delinear as medidas de conservação mais eficientes em função da evolução e dispersão desta nova variante do vírus”, destaca Joana Abrantes.

Pedro Esteves explica ainda que é “importante diminuir ou até mesmo interromper a caça ao coelho nos próximos dois anos, de forma a não reduzir ainda mais o efectivo populacional. Será necessário elaborar planos adequados de conservação e sustentabilidade das populações naturais de coelho-bravo, envolvendo as entidades responsáveis pela gestão e conservação dos recursos naturais”, conclui o investigador.