Maria João Saraiva

Maria João Saraiva

Uma equipa do IBMC propõe a utilização de Anacinra (do inglês Anakinra) como estratégia terapêutica para doenças amiloidóticas. Baseado em ensaios pré-clínicos com modelos animais, o estudo, publicado agora, demonstra a importância de alvos não amiloides nas estratégias para combater estas doenças. A Anacinra é um anti-inflamatório utilizado em situações reumáticas que, como descobriu a equipa liderada por Maria João Saraiva, impede a deposição da transtirretina (TTR), protegendo as fibras nervosas da degeneração.

O artigo foi publicado numa revista da especialidade, a Amyloid, e demonstra que agindo sobre o receptor de uma citocina (a interleucina-1, IL-1), envolvida em processos inflamatórios, há uma clara redução de depósitos nocivos de TTR no nervo. O grupo de investigadores recorreu a modelos animais transgénicos que produzem a proteína TTR mutada, a qual é responsável pelo desenvolvimento da Doença dos Pezinhos nos humanos. Para Maria João Saraiva “os efeitos benéficos nos animais são evidentes, permitindo estabelecer uma clara e nova abordagem: interferindo no cascata inflamatória da IL-1, interferimos na deposição de TTR e na regeneração do nervo”.

“Demonstrado o conceito, ficam a faltar os ensaios clínicos para confirmar efeitos desta abordagem nas doenças amiloides em humanos”, afirma a investigadora. Como nos explica, “estes compostos de baixo custo poderão ter efeitos benéficos em ensaios clínicos”. Pode-se recordar, por exemplo, que há poucos anos a mesma equipa demonstrou, também em ensaios pré-clínicos, que a Doxiciclina/TUDCA, um antibiótico e um sal biliar comerciais, reduziam grandemente de forma sinergética a formação de agregados tóxicos de TTR em ratinhos transgénicos. Desde então, apenas um grupo em Itália encetou ensaios clínicos com estas moléculas. Os resultados começam a chegar agora, mostrando que estes dois fármacos têm claros benefícios terapêuticos em doenças amiloidóticas cardíacas. Só recentemente outras equipas, na Suécia e nos Estados Unidos, começaram a recrutar voluntários para ensaios paralelos.

A primeira terapia disponível para a PAF foi o transplante de fígado. Ainda muito utilizada, esta solução reduz a produção da TTR mutante, reduzindo, consequentemente, a deposição de fibrilas. Contudo, além de muito invasiva, não é totalmente eficaz por não eliminar a produção de TTR mutante noutros órgãos do corpo e devido ao risco de rejeição do transplante. Não háá muito tempo, foi lançado no mercado o Tafamidis, um composto que, segundo alguns, ainda não deu provas suficientes de eficácia e cujo benefício ainda está em avaliação, necessitando de terapias combinadas.

A Paramiloidose é uma doença hereditária dominante que tem manifestação tardia clínica quase certa nos portadores da mutação. Muitos indivíduos que desconhecem ser portadores constituem família e, frequentemente, possuem já filhos quando descobrem que sofrem da doença. Neste casos, os descendentes têm 50% de risco de serem também eles portadores. Por este e outros motivos, apesar do apoio ao planeamento familiar e à reprodução medicamente assistida, ainda estamos longe de eliminar ou curar a PAF e qualquer tratamento que venha a ser disponibilizado constituí uma luz ao fundo do túnel.